entrevista

Após começar segundo mandato, reitor da UFSM fala sobre temas polêmicos dentro da instituição

Jaqueline Silveira

Foto: Lucas Amorelli (Diário)
Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) terá um orçamento de R$ 1,16 bilhão para este ano, volume maior que o orçamento da prefeitura

Reconduzido, no início de janeiro, para o segundo mandato no comando da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), o reitor Paulo Burmann terá mais quatro anos à frente de uma das instituições de ensino mais importante do Estado. Reeleito com mais de 51% dos votos, em junho de 2017, ele fala sobre os planos para a segunda gestão da UFSM, que tem um orçamento, de R$ 1,16 bilhão, maior do que o do município de Santa Maria, de R$ 700 milhões, e soma 27,6 mil estudantes, 1,9 mil professores e 2,7 mil técnicos-administrativos. Em entrevista ao Diário antes de sair de férias, o reitor abordou assuntos polêmicos dentro da universidade, como os casos de racismo, o futuro da Estatuinte e a possibilidade de cobrança de alguns cursos de especialização. Também comentou sobre parcerias com a prefeitura na área da saúde e seu futuro depois de encerrar o mandato, inclusive sobre os planos do PDT em lançá-lo na política partidária. Confira os principais trechos:

Diário - A UFSM conseguiu equilibrar as contas ou ficou com déficit em 2017?

Burmann - Dentro daquilo que tínhamos projetado, ainda em março, se confirmaram, em setembro e outubro, que teríamos sérias dificuldades de seguir em frente até o final do exercício, mas com muita luta, articulação política, conseguimos chegar ao final do ano com as contas equilibradas.

Diário - Em 2018, pode haver novamente corte de pessoal?

Burmann - Nós temos um crescimento vegetativo das despesas da universidade, e o orçamento enxugou, reduziu. É possível que a gente vá revisar contratos. Agora, qual a estratégia que as empresas vão adotar, a gente não sabe. As empresas são contratadas pela universidade. A nossa preocupação é, sem dúvida, sobre o impacto do ajuste desses contratos sobre os trabalhadores.

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Diário - E quanto ao andamento de obras, campus de Cachoeira do Sul e construções no campus de Santa Maria? Podem ser afetadas?

Burmann - Podem, principalmente pela insegurança, de como não tivemos segurança nesse período anterior. Cada mês é um mês, cada dia é um dia. Essa semana que passou, por exemplo, nós passamos a semana inteira na expectativa de receber recursos para poder honrar os compromissos que a universidade assumiu nesse período. São despesas correntes, luz, água, pagamento de terceirizados, de contratos, compra de alguns equipamentos. Porque não havia a certeza de que teríamos, e quando teríamos esses recursos. As empresas que precisam receber perguntam para a universidade "quando vem o dinheiro? São preocupações que não cessam, é um alerta permanente sobre a situação orçamentária acadêmica e administrativa da universidade.

Diário - Na campanha à Reitoria, entidades, como a AM Centro e a UAC, cobraram uma maior participação da UFSM na comunidade. O senhor não acha que, pelo potencial e capacidade, a universidade pode contribuir mais?

 Burmann - Acho que a universidade tem buscado exatamente esse caminho, de inserção na comunidade. O fórum regional de extensão que nós realizamos nos anos de 2016 e 2017 é um exemplo claro disso. Nós temos a Agência de Inovação e Transferência de Tecnologia (Agitec), que está buscando a inserção da universidade no desenvolvimento econômico e social da região.

A criação da incubadora em formato social, voltada a projetos sociais, a inserção da universidade na rede pública de educação básica, através dos cursos da área da educação, são exemplos claros disso.

O que mais se espera da universidade está sendo tratado com o devido cuidado e dentro dos limites e do espaço institucional. A universidade não pode, e nem deve, e nem propõe isso: ocupar espaço das demais instituições públicas.

Diário - Como estão as tratativas com a prefeitura para a UFSM assumir a Unidade de Saúde Wilson Paulo Noal, que deverá funcionar à noite?

Burmann - É uma negociação que está sendo construída. É uma possibilidade. A gente tem conversado com o prefeito (Jorge Pozzobom) sobre isso, definindo quais as reponsabilidades que caberão à universidade e quais caberão ao município, qual seria o nosso espectro de ação dentro desse espaço, não apenas dessa unidade, mas como a universidade pode estar melhor inserida na estrutura de saúde pública em Santa Maria.

Diário - E qual dever ser a participação da UFSM na unidade? Será com profissionais?

Burmann - A universidade vai ajudar, mas com certeza não será a estrutura que vai oferecer mão de obra para isso. A universidade participaria discutindo o modelo de gestão dessas unidades de saúde, porque temos expertise nisso. Seria promovendo estágios, inserindo profissionais no dia a dia dessas unidades. Professores, técnicos, médicos, enfermeiros, auxiliar de enfermagem, fisioterapeutas, dentistas, e todos aqueles profissionais que têm alguma relação com a área da saúde. O funcionamento dessas unidades não pode estar centrado na força de trabalho da universidade. Não é essa a proposta. O prefeito e a secretária de Saúde sabem disso. A gente tem tratado com muita franqueza. Não se pode alimentar essa possibilidade.

Muito obrigado, Doutor Mariano da Rocha!

Diário - E quando deve ser resolvido?

Burmann - Acredito que durante o primeiro semestre de 2018 nós tenhamos isso resolvido. Um desenho definido, e, talvez, se houver entendimento e acordo para iniciarmos já no segundo semestre.

Diário - Quanto aos casos de racismo na UFSM, a universidade não deveria ter sido mais atuante para coibir esses ataques? Como estão os processos administrativos?

Burmann - Não vejo como nós poderíamos ter atuado mais intensamente nesse processo. Tudo aquilo que era possível de ser feito, foi feito. A nossa responsabilidade sobre esse processo é muito mais educativa do que fiscalizadora ou punitiva. A forma como esses episódios aconteceram foram, eu diria, bem planejados, já que não deixaram rastros visíveis. A ação investigativa da Polícia Federal vai levar a identificação dos responsáveis.

Internamente, nós temos também um processo investigativo, muito mais limitado do que da polícia, e estamos ainda no processo de coleta de informações. Estamos atuando também em prestar apoio às vítimas desse ato violento. Nós temos um universo de 30 mil estudantes, 4,5 mil servidores, mais de 10 mil pessoas que circulam todo o dia dentro da universidade. Não temos um aparato policial. A segurança que temos é patrimonial. Não é da nossa alçada esse tipo de estrutura.

A UFSM fez mais do que era possível. Mas isso é questão de conduta social, e estamos inseridos em um cenário de intolerância de várias ordens, inclusive a racial, uma das mais graves.

Diário - Há cobranças para que sejam implantadas cotas na Pós-Graduação. Esse assunto está sendo discutido?

Burmann - Sim. A universidade está tratando disso junto à Pró-Reitoria de Pó-Graduação e Pesquisa e aos polos competentes, elaborando e discutindo estratégias para que se alcance essa medida. Eu diria que a médio prazo.

Diário - Qual será o futuro da Estatuinte que não conseguir avançar? O relatório foi encaminhado ao senhor. Na posse, o senhor disse que haveria boicote de uma minoria.

Burmann - Acho que boicote não é propriamente a palavra certa. O que nos faltou nesse processo foi maturidade política para compreender qual o papel da Estatuinte. O interesse de pequenos grupos preponderou sobre o interesse institucional. E isso, de fato, ocasionou na parada do processo da Estatuinte.

Precisamos pensar no estatuto da universidade que regula a sua prática de ensino, pesquisa e extensão, a sua inserção social, como ela acontece, quais as regras e os regulamentos que levam a universidade a cumprir melhor o seu papel. Ele foi explorado durante o processo de consulta da eleição dentro da própria universidade em benefício de um ou dois grupos. Foi um tiro no pé diante da forma que se portaram dentro desse cenário.

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Diário - O que acontecerá agora? A decisão caberá ao Conselho Universitário?

Burmann - Nós estamos avaliando porque não foi o Conselho Universitário que deflagrou o processo da Estatuinte, foi a gestão. Quem elaborou o regimento da Estatuinte foi o congresso Estatuinte, não foi o Conselho Universitário. Devolver o processo para o reitor decidir, um processo que o próprio congresso construiu? Me perdoe, mas tem um grande equívoco aí.

Diário - O senhor avalia que o trabalho da Comissão da Verdade é satisfatório e trará resultado relevante?

Burmann - Eu creio que sim. Acho importante que se avalie, que se discuta o documento disponível na universidade e fora dela, que se colham depoimentos e se restabeleça, de fato, a verdade desse triste episódio da vida pública brasileira para que isso não mais aconteça. Creio que o relatório da Comissão da Verdade, que deve sair este ano, possa trazer algumas novidades, mas não creio que nada muito além do que já é de conhecimento público.

Diário - A minuta sobre a cobrança de alguns cursos de especialização já está pronta para ir à avaliação do Conselho Universitário?

Burmann - Ela está hoje nas unidades de ensino para manifestação. Elas receberam a minuta e estão devolvendo com sugestões para que sejam sistematizadas, acolhidas ou não, e levadas ao conselho superior. Isso deve acontecer em março.

Diário - Mas não é uma contradição para uma gestão que defende a universidade pública e gratuita começar a cobrar por alguns cursos, embora autorizada pelo STF?

Burmann - Na verdade, a gente precisa seguir a legislação, independente de ela ser boa ou ruim. Estamos respaldados por isso e das obrigações da universidade de caráter público. O que se tem em relação aos cursos de pós-graduação latu sensu é a oportunidade de a universidade oferecer a sua estrutura, a sua expertise para demandas específicas, em que uma empresa ou grupo de profissionais que buscam da universidade a possibilidade de ela oferecer qualificação para além daquilo que ela já oferece dentro do seu funcionamento normal. Qual a possibilidade de a universidade oferecer isso? Nas sextas-feiras à noite, no sábado. Mas isso não é o reitor quem decide. Quem decide são os conselhos. Se ele disser que nós não devemos atuar nesse ramo, nós não atuaremos. Obviamente, que, se existe a possibilidade, e nós temos recebido cobranças de alguns setores da universidade, favoráveis e contrários, mas quem definirá são os conselhos. Não vejo nenhuma contradição, pois a universidade vai continuar ofertando seus cursos de graduação e pós-graduação presenciais ou à distância gratuitamente. Não vai haver prejuízo algum desta estrutura já em andamento.

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Diário - Depois de concluir o mandato, o que o senhor pretende fazer? O PDT pensa em lançá-lo na política, o que senhor acha?

Burmann - Já estarei apto a me aposentar. Eu prefiro não falar sobre partido político. Eu tenho uma ligação com o trabalhismo histórica, por uma questão familiar, uma questão pessoal, mas que, durante o período de gestão da universidade, não permite que ela interfira absolutamente em nada no trabalho que nós desenvolvemos aqui. Depois que me aposentar, eu posso até ir pescar. Espero estar com saúde até lá para poder decidir com tranquilidade. Considero, sim, a possibilidade de voltar para o meu departamento, continuar minha atividade de ensino e pesquisa. Fiquei lisonjeado pela lembrança das lideranças do partido, embora não esteja considerando essa possibilidade.

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